O indivíduo com Síndrome de Down
e a inclusão familiar
Por Fernanda Travassos-Rodriguez
Fala-se muito a respeito da
inclusão escolar e social do indivíduo com Síndrome de Down, contudo se esquece
de que quem apresenta e inclui a criança desde o nascimento na sociedade é a
própria família.
Alguns pais de bebês, vítimas de
um (pré) conceito internalizado, muitas vezes, enraizado e tácito, retraem-se
do contato social aparentemente por temor ao preconceito alheio. No entanto, não se dão conta de que através
dos olhos de outros possam ver o reflexo de seus próprios afetos temidos e
guardados, que frequentemente despertam-lhes sentimentos de vergonha e culpa.
Cada um de nós constrói ao longo
da vida suas crenças, valores, conceitos e mesmo preconceitos. Este processo é uma construção em via de mão
dupla com o meio em que vivemos. Escrevemos
a nossa história dentro de uma época, de uma família e de uma sociedade.
Sem este contexto, não poderíamos
atribuir valor a nada nas nossas vidas.
São os nossos paradigmas.
Entretanto, pensando em práticas sociais, podemos dizer que o mundo de
alguma maneira nos forma, mas também podemos dizer que formamos o mundo, pois
são as nossas ideias, produto da nossa história com o nosso meio, que
“realimentam” os paradigmas da nossa cultura.
Sendo assim, o preconceito social não existe como uma “entidade
própria”, ele é constantemente reproduzido pela maioria de nós no cotidiano.
Muitos pais de crianças com
Síndrome de Down passaram grande parte da vida sem terem contato com nenhuma
criança, adolescente ou adulto nestas condições. Formaram (pré) conceitos sobre a síndrome e
seus portadores, assim como todos nós formamos (pré) conceitos sobre uma
infinidade de temas que genuinamente desconhecemos.
No momento que alguém se torna
pai, mãe ou mesmo irmão de um bebê com Síndrome de Down seus preconceitos não
desaparecem de imediato e isto pode causar muita dor e como já citamos há uma
mistura de culpa e vergonha dos próprios sentimentos e da condição filho ou
irmão.
Como a palavra preconceito na sua
etimologia assinala, trata-se de uma ideia construída a priori, de forma
precoce e que não inclui uma vivência ou conhecimento acerca do objeto alvo de
julgamento. Concluímos, portanto, que a
única maneira de transformar o preconceito pessoal e/ou social, visto que eles
estão intimamente relacionados, é através da informação e da proximidade com o
tema.
Vemos que muitas pessoas são
capazes de transformar os seus preconceitos acerca dos portadores de diversos
tipos de deficiência ao longo de um intenso aprendizado de vida com os próprios
filhos, mas, às vezes, por uma série de fatores, outros pais não têm esta
possibilidade e mantém o preconceito “engavetado”, mascarado sob uma série de
atitudes que acabam por reforçar a exclusão social do próprio filho. São pessoas sofridas e que não conseguiram
transformar as suas crenças. Precisam de
ajuda, mas, muitas vezes nem sabem.
A presença do indivíduo com
Síndrome de Down na escola regular, na mídia e na sociedade de forma mais ampla
denota uma mudança produzida pela nossa subcultura, já que acreditamos que tais
elaborações são recíprocas. Não se trata
de um movimento independente do nosso contexto, senão não seria
significativo.
Assistimos hoje um momento que
pode se tornar histórico, um ponto de bifurcação que pode gerar uma mudança do
conceito que se tinha sobre a pessoa com Síndrome de Down dentro do imaginário
social. Isto não muda a sociedade em si,
isto muda as ideias das pessoas que constroem socialmente valores, normas,
padrões, conceitos e preconceitos.
Contudo, podemos dizer que a
inclusão começa em casa, seja em relação aos pais que têm filhos com Síndrome
de Down, seja com pais que têm filhos sem nenhum tipo de síndrome e que
permitem que seus filhos conheçam se aproximem e convivam com as
diferenças.
Todos nós estamos incluídos nesta
história e enquanto as pessoas não se derem conta disso, apenas os que sofrem o
preconceito na própria carne serão capazes de pensar em alternativas para a
transformação social. No caso da criança
com Síndrome de Down, como já vimos, existe uma grande necessidade que ela seja
genuinamente inserida na sua família para que possamos pensar em qualquer tipo
de inclusão, pois uma inclusão que não é baseada em crenças verdadeiras dos
próprios pais não funciona, não vinga e não transforma aqueles que cercam a
criança.
Dizemos isto porque a luta pela
inclusão na nossa sociedade consiste em uma batalha muito dura. Há uma guerra travada com aqueles que não
aceitam nem as próprias diferenças e vivem em busca de modelos ideais. Portanto, a família que não trabalha muito
bem todas estas questões dentro de si, provavelmente terá pouca energia para ir
mais longe nesta luta e, então, fica
muito difícil pensar em inclusão escolar e social.
Os pais, muitas vezes, têm um
preconceito que é anterior (como a própria palavra já diz) ao nascimento do
filho e com frequência não se dão conta disto até que alguém os aponte. Com este preconceito internalizado e muitas
vezes culpados por estes sentimentos camuflam esta questão.
Tal problemática fica evidenciada
quando tentam incluir seu filho na vida escolar e social. Nestes casos, vemos a necessidade de um
trabalho cuidadoso e minucioso junto aos familiares que não se trata de orientação,
nem prescrição, pois assim não damos espaço para acolher o lado preconceituoso
dos próprios pais e dar-lhes a possibilidade de transformação, trata-se mesmo
de um trabalho psicoterápico realizado por profissional especializado no
assunto.
Na pesquisa de campo para a tese
de doutorado: Síndrome de Down - da estimulação precoce ao acolhimento familiar
precoce, percebemos que atitudes prescritivas e imperativas dos profissionais
que lidam com pais de crianças com Síndrome de Down aumentavam ainda mais o
preconceito internalizado dos pais em relação aos filhos, visto que os pais, ao
se sentirem recriminados por se identificarem com atitudes preconceituosas,
guardavam e escondiam mais ainda dentro de si, tais sentimentos considerados
por eles vergonhosos, ao ponto de não mais reconhecer o próprio preconceito,
ter a possibilidade de entrar em contato com ele e transformá-lo.
Portanto, com o tempo fica cada
vez mais difícil ajudar e identificar esta parcela da sociedade que teve o seu
preconceito silenciado por não ter acesso a um espaço com profissionais
especializados que pudessem suportar escutar e acolher junto com os pais as
angústias próprias de um momento tão delicado: O tornar-se familiar de um bebê
com a Síndrome de Down.
Quando este trabalho é feito ou
quando as famílias conseguem realizá-lo de maneira natural a criança está
pronta para ser inserida numa esfera maior.
O bebê com Síndrome de Down pode ser inserido na sociedade desde bem
pequeno quando frequenta em seus passeios de carrinho os mesmos lugares que os
outros bebês considerados “normais”, frequenta as reuniões de família, as
festinhas de outras crianças e todas as outras coisas que qualquer criança
deveria fazer.
No entanto, mais tarde, através da escola
haverá uma inclusão mais contundente que colocará a prova o preconceito de cada
educador com que a criança se deparar e também o dos outros pais de crianças
que frequentem a mesma escola, no caso de escolas regulares.
O momento da inclusão escolar é
muito complicado para a família da criança com Síndrome de Down, mesmo que ela
tenha trabalhado bem suas questões relativas ao preconceito. Isto porque os pais temem a exposição do
próprio filho a um ambiente que muitas vezes é hostil ou despreparado para
lidar com as diferenças. Ficam com medo
da discriminação e querem proteger o filho de qualquer tipo de sofrimento.
Contudo, as crianças vão para a
escola não só para aprender português ou matemática, mas também para se
socializar. Vão aprender na prática as
regras do nosso convívio e por isso é tão importante que a criança com Síndrome
de Down possa participar disso também.
Em primeiro lugar, ela ensina aos
colegas que a vida é feita de diferenças e que é possível lidar com as mesmas
sem ter que buscar modelos ideais. Em
segundo lugar, a criança com Síndrome de Down começa desde bem cedo a aprender
a ter que lidar com a sociedade como ela é.
Não se criam mundos paralelos
para a criança que, nestes casos, apenas na adolescência começará a se deparar
com um mundo diferente do que construíram para ela. Isto causa sofrimento e cria mais
dificuldades no processo de inclusão deste indivíduo.
Finalmente, acreditamos que um
trabalho bem feito de inclusão começa dentro de casa e isto modifica a
sociedade e facilita a vida destas crianças em um futuro próximo. Afinal, estamos todos dentro deste grande
barco chamado sociedade.
1 comentários:
Amei esse post! Fiquei muito emocionada quando li. Parabéns :D
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