A escritora americana
especialista em bullying diz que crianças e adolescentes que agridem e humilham
colegas são acobertados em casa - e que as escolas em geral se omitem.
02/03/2012
17:43
Texto
Monica Weinberg
Faixa-preta no caratê, a
americana Rosalind Wiseman dava aulas de defesa pessoal para garotas em
Washington, capital dos Estados Unidos, quando se impressionou com as conversas
das adolescentes sobre os constantes abusos físicos e psicológicos que sofriam
ou infligiam a colegas na escola, o bullying.
Interessou-se pelo assunto,
aprofundou as conversas e hoje é uma das maiores especialistas nesse triste
fenômeno. Em 2002, escreveu Queen Bees and Wannabes (Abelhas-Rainhas e
Aspirantes, em tradução literal), um guia para pais, educadores e alunos sobre
como lidar com a crueldade com que as meninas populares da escola (as
"abelhas-rainhas") tratam as colegas que aspiram a ser como elas.
Best-seller instantâneo, o livro serviu de base para o enredo do filme Meninas
Malvadas.
Aos 42 anos, mãe de dois filhos,
Rosalind, formada em ciência política, dedica-se a escrever livros e colunas e
a dar palestras em que expõe, com exemplos muito concretos e didáticos, a
prática do bullying e ensina a prevenir e atenuar seus efeitos. Preparando-se
para sua primeira viagem ao Brasil - onde fará palestras na Escola Americana,
em São Paulo, entre 12 e 14 de março -, ela falou a VEJA.
Leia os itens abaixo:
-O bullying está fugindo ao
controle dos pais e das escolas?
Rosalind Wiseman:
Conflitos em que ocorre abuso de
poder e força para demarcar território são tão antigos quanto a própria espécie
humana. Não estamos, portanto, diante de um fenômeno moderno, como alguns
apregoam.
Por outro lado, há, sim, certos
aspectos da sociedade em que vivemos que conferem ao bullying feições
particularmente cruéis, e é isso que o torna mais difícil de ser controlado.
A principal mudança está na
internet, com a qual a atual geração de crianças e adolescentes mantém uma
relação quase que visceral. É justamente ali, onde constroem sua identidade e
seus laços de amizade, que eles começam a se ver alvo de humilhações capazes de
se difundir por toda a escola em questão de horas. O problema passa a ganhar
uma escala que nunca teve antes, enchendo a vítima de vergonha, solidão e medo.
Os pais e os educadores, por sua
vez, são frequentemente tomados de um sentimento de profunda impotência que os
mantém paralisados.
-A senhora está dizendo que as
escolas não estão sabendo lidar com os casos de bullying?
Rosalind Wiseman:
Minha experiência mostra que a
maioria não encara esse problema como sendo também seu, prova de uma visão
ainda antiquada sobre a educação.
Nos últimos anos, a internet
demoliu certas fronteiras físicas de forma avassaladora, como a que separava a
casa da escola, mas muitos educadores continuam alheios a isso.
Eles se esquivam de suas
responsabilidades, limitando-se a dizer apenas que "o caso não aconteceu
dentro da sala de aula, me desculpe, estamos de mãos atadas". Pois, ao
ignorarem a questão, dão sinal verde para que os agressores sigam adiante,
seguros, e com razão, de que não serão punidos.
Aqueles que são alvo das
intimidações passam a odiar profundamente o colégio, onde não recebem o mais
básico: segurança.
Ouço muito nas escolas que elas
estão, sim, em plena cruzada de combate ao bullying. Mas isso não costuma se
traduzir em nada verdadeiramente efetivo. Toda essa discussão acaba por chamar
atenção para uma enorme fragilidade que vejo na instituição escolar, nos
Estados Unidos e em outros países.
-A que fragilidade a senhora se
refere?
Rosalind Wiseman:
Várias escolas até tentam, mas
não conseguem garantir um ambiente minimamente favorável ao aprendizado. Isso
porque uma turma de educadores está se furtando à tarefa fundamental de
estabelecer regras de bom convívio, divulgá-las a todos e fazê-las cumprir com
rigor, castigando, em alguma medida, aqueles que as infrinjam.
É preciso de uma vez por todas
inverter a lógica segundo a qual são os jovens que estão no comando. O
problema, evidentemente, não se restringe ao ambiente escolar. Ele começa em
casa. Só que muitos pais preferem manter-se cegos a agir como deveriam.
-É um traço típico dessa geração
de pais?
Rosalind Wiseman:
No grau em que se manifesta, sim.
Enxergo um aspecto positivo na atual geração, que vive em busca de relações
mais abertas, francas e afetivas com seus filhos. Querem contrapor-se aos
próprios pais, bem mais distantes e rígidos.
Os problemas começam quando essa
tentativa de estabelecer um laço mais autêntico resvala para uma situação
completamente absurda em que por nada no mundo a criança pode ser contrariada
ou se sentir minimamente desapontada. O que preocupa aí é a dificuldade de
enxergar as nuances entre a tirania e a amizade.
Em muitos dos lares, por assim
dizer, modernos, no lugar de noções básicas de hierarquia e limites, o que as
crianças e adolescentes acabam obtendo dos pais é apoio incondicional, quando
não conivência - inclusive para com os maus modos e os eventuais episódios de
agressão que protagonizam fora de casa.
-Os próprios pais acabam sendo
condescendentes com o bullying?
Rosalind Wiseman:
Exatamente isso. Existe um grupo,
e com certeza não é pequeno, de pais que se arvoram em defesa dos filhos
incondicionalmente, qualquer que seja a situação, ainda que às vezes não tomem
consciência disso. Alguns até bradam: "Quem se meter com meu filho está se
metendo comigo também".
É um instinto de proteção cego,
irracional. Mesmo alertados pela escola e por outros pais, eles se recusam a
ver e a ouvir o óbvio. Estão se furtando assim à tarefa de dar uma boa educação
aos filhos.
-Como deveriam agir nesses casos?
Rosalind Wiseman:
Como adultos. Eles devem não só
assumir como enfatizar o problema, advertindo a criança, punindo-a prontamente
quando preciso e procurando a escola, se esse for o caso. É básico, mas não tão
comum.
Vou além na crítica que faço.
Muitos pais acabam não apenas agindo como cúmplices juvenis de seus filhos como
também dando o mau exemplo em casa.
Depois de tantos anos nesse
campo, estou convencida de que tratar mal o outro, tentando se sobrepor à base
da força e do medo, não é apenas um instituto humano, mas também um
comportamento cultivado e assimilado socialmente.
-Como isso ocorre?
Rosalind Wiseman:
Não é tão óbvio, mas sutil.
Observando as famílias das crianças que costumam liderar o bullying, descobri
um padrão comum à maioria. Em geral, elas vêm de ambientes em que os próprios
pais não lidam bem com as diferenças. Costumam supervalorizar características
físicas e psicológicas universalmente aceitas e desconfiar de quem destoa
delas.
Eles reforçam, por exemplo, o
ideal de magreza que tanto preocupa as crianças e adolescentes de hoje -
inclusive os magros que querem ficar cada vez mais esbeltos.
É curioso que esse tipo de
manifestação preconceituosa aparece até mesmo naquelas famílias de gente muito
lúcida, de forma quase invisível. Mas a mensagem está lá.
O bullying nada mais é do que uma
demonstração exacerbada da aversão às diferenças. Escuto muito pais criticando
uns aos outros. É como um esporte nacional. Está claro que falta um olhar mais
realista sobre si próprios.
-O que a família pode fazer para
ajudar os filhos quando eles é que se tornam o alvo das agressões?
Rosalind Wiseman:
No afã de vê-los aceitos socialmente,
são justamente os pais que muitas vezes os incentivam a tomar parte de grupos
que, acreditam, podem lhes conferir status.
Para tentar se integrar, a
criança passa a bajular os que têm mais poder e prestígio na turma, mesmo sendo
alvo de chacotas e humilhações.
Os pais devem incentivar os
filhos a cortar esse laço, no lugar de lutar por ele desesperadamente. É um
primeiro passo para resgatar a autoestima, destroçada nesses casos.
O bullying costuma impingir um
sofrimento solitário e silencioso. A criança passa a isolar-se e a odiar a
escola. A situação demanda sensibilidade dos adultos para perceber o que está
se passando a sua volta e romper o silêncio.
-Por que elegeu o universo
feminino como campo de estudo de seu primeiro livro sobre o assunto?
Rosalind Wiseman:
As meninas podem ser mais cruéis
entre si do que os garotos. Elas têm uma compreensão muito clara sobre como a
outra se sente e, com isso, conseguem ferir-se com requintes de maldade.
Na adolescência, criam uma severa
hierarquia no grupo, pautada por aquilo que vestem e possuem e também pela
maneira como se expressam e se posicionam.
São regras invisíveis, que se
fazem perceber da pior forma possível - quando alguém as quebra e é punido por
isso. As meninas se policiam umas às outras o tempo todo e costumam ser
implacáveis com quem transgride. Praticam uma agressão de fundo mais psicológico,
mas profundamente dolorosa, segundo relatos que venho colhendo ao longo desses
anos de trabalho nas escolas.
Muitas pessoas ainda se espantam
quando trato dessas coisas. Preferem trilhar o caminho mais fácil, o do
politicamente correto, a falar abertamente e ajudar.
-Há uma idade em que as
crueldades são mais comuns?
Rosalind Wiseman:
Demonstrações de crueldade não
têm idade para vir à tona. Elas podem surgir bem cedo, restando aos pais a dura
e inadiável missão de encará-las.
É natural que a maioria prefira
vir à luz festejar os avanços ou os grandes feitos de sua prole. Mas, às vezes,
o assunto é muito mais complicado e menos prazeroso.
Não quer dizer aí que os pais
tenham fracassado em seu papel de educar. Fujo desses dogmas. Mas lhes cabe uma
óbvia reflexão sobre se os incentivos que estão dando em casa têm sido os mais
apropriados.
-Qual é a sua resposta a esse
dilema?
Rosalind Wiseman:
Existe uma moda por aí da qual
discordo com veemência. As crianças e adolescentes estão recebendo estímulos
para parecer mais velhos do que são, mas, infelizmente, não mais maduros. Não é
só a roupa, ou o batom, mas a maneira como se portam e agem.
Sinto uma angústia ao observar
como se abreviam a infância e a própria adolescência em nome de ideias profundamente
vazias na essência. Ao resvalar para isso, a lição crucial da tolerância diante
das diferenças fica de lado.
Nesse caldo equivocado de
cultura, não espanta que o bullying se perpetue entre os jovens. Evidentemente
que não é só a família que provê os incentivos equivocados, embora, de novo,
ela tenha uma contribuição decisiva.
Muitas vezes, são os pais que
transformam os filhos naquilo que costumo chamar de "mininarcisos",
com a vaidade exacerbada e em permanente culto a si mesmos.
O adolescente recebe hoje o maior
de todos os privilégios da vida adulta - a liberdade - mas nenhuma das
obrigações que vêm com a idade madura.
-Falta também impor limites no
uso de tecnologias?
Rosalind Wiseman:
Sim. Sou uma entusiasta da
internet, mas acho que, se não for bem usada, pode incentivar o vazio
intelectual mais do que criar gente curiosa e pronta para refletir sobre o
mundo em que vivemos.
Por isso, especialmente no caso
das crianças mais novas, o acesso à rede deve ser feito com orientação em casa.
Navegar de forma produtiva, sem correr riscos desnecessários e extraindo o
melhor da web, é um aprendizado.
Tenho chamado muito a atenção de
pais e educadores para a facilidade com que as crianças conquistam hoje artigos
como tablets e celulares. Perdem e ganham um novo na mesma hora. É como se
fosse um direito. Mas não deve ser assim.
Estamos diante de um privilégio, e
dos bons. Essa é a ideia que deve ser pavimentada.
-Ainda que não reflita a
realidade, o sentimento de dever não cumprido por parte dos pais é uma
constante. Como combatê-lo?
Rosalind Wiseman:
Antes de tudo, sou uma defensora
de que essa atual geração se liberte da eterna culpa que a acompanha.
Os pais têm culpa porque se
divorciaram ou porque trabalham demais. Culpa porque querem manter uma vida
própria e independente das questões maternas ou paternas. E culpa ainda porque
às vezes, como são humanos, sentem raiva dos filhos quando eles se comportam
mal ou os envergonham.
Justamente movidos por esse
sentimento de que não estão suprindo as necessidades dos filhos à altura de
suas gigantescas expectativas como pais, acabam fazendo concessões muito além
da conta.
1 comentários:
Amiga,meu amiguinho Tigre está participando do concurso Esconde esconde no blog da Kika,preciso de seu votinho na fotinha dele é a do NÚMERO 47 e este é o link :
http://kikaeassuasideias.blogspot.com/
A reginha para votar: 1º-Ser seguidor do blog da kika 2º-Deixar no comentário que vota no Tigre nº47 Se fugir as regrinhas o voto não é valido, Se fugir as regrinhas o voto não é valido, Muito grata!Beijos de luz!
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