“Bendito quem inventou o belo truque
do calendário, pois o bom da segunda-feira, do dia 1º do mês e de cada ano novo
é que nos dão a impressão de que a vida não continua, mas apenas recomeça...”
Mário Quintana
Milho de pipoca que não passa
pelo fogo continua a ser milho para sempre.
Assim acontece com a gente. As
grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo
fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma
dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o
melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo.
O fogo é quando a vida nos lança
numa situação que nunca imaginamos: a dor.
Pode ser fogo de fora: perder um
amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre.
Pode ser fogo de dentro: pânico,
medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos.
Há sempre o recurso do remédio:
apagar o fogo! Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da
grande transformação também.
Imagino que a pobre pipoca fechada dentro da
panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer.
Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino
diferente para si.
Não pode imaginar a transformação
que está sendo preparada para ela. A Pipoca não imagina aquilo de que ela é
capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece:
BUM! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela
mesma nunca havia sonhado.
Bom, mas ainda temos o piruá, que
é o milho de Pipoca que se recusa a estourar. São como aquelas pessoas que, por
mais que o fogo esquente, se recusam a mudar.
Elas acham que não pode existir
coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A presunção e o medo são a
dura casca do milho que não estoura.
No entanto, o destino delas é triste, já
que ficarão duras a vida Inteira. Não vão se transformar na flor branca, macia
e nutritiva. Não vão dar alegria para ninguém.
Do livro: “O amor que acende a
lua”, de Rubem Alves
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