Lya
Luft
Com o ensino cada vez pior - e
ainda por cima sendo mais difícil conseguir uma reprovação -, temos gente
saindo das universidades quase sem saber coordenar pensamentos e expressá-las
por escrito, ou melhor: sem saber o que pensar das coisas, desinformados e
desinteressados de quase tudo.
Fico imaginando como será em
algumas décadas. A ignorância alastrando-se pelas casas, escolas, universidades,
escritórios, congressos, senados...
Multidões consumistas ululando nas portas e corredores de gigantescos
shoppings, países inteiros saindo da obscuridade - não pela democracia, mas
para participar da orgia de aquisições, e entrar na modernidade.
Em algumas coisas sou pessimista:
essa é uma delas. Mas acredito que os que ainda quiserem pensar, estudar,
descobrir, inventar, pintar, dançar, cantar ou escrever vão viver numa espécie
de ilha.
Talvez em universidades
tradicionais ou ultra-adiantadas, ou no aconchego de bibliotecas em casa,
praticamente todas de e-books ou recursos com que nem sonhamos, exigindo pouco
espaço.
Já existem em países adiantados
intelectuais, pensadores, pesquisadores, cientistas pagos simplesmente para
pensar, criar, inventar, descobrir. Um deles, meu conhecido, cujo hobby é tocar
piano, conseguiu, sem ter de pedir, uma sala enorme à prova de som, para tocar
altas horas ou de dia, sem incomodar vizinhos.
As atuais agitações em países do
Oriente me fizeram pensar que a filosofia (os gregos) foi substituída pela
religião, a religião pelas ideologias, e as ideologias, atualmente, pelo
consumismo. Não sou contra consumir, gosto do meu celular eficiente e
relativamente moderno, embora saiba que em poucas semanas, ou dias, ele estará
ultrapassado. Isso não me incomoda. Não me deixa ansiosa por trocar este por
outro, que em pouco tempo também deverá ser substituído, numa compulsão idiota.
Não gosto é dessa compulsão idiota.
Meu computador e meu notebook são atualizados e eficientes, mas não me importa
que em algumas semanas estejam superados, desde que funcionem bem. Gosto de
poder trocar de carro quando o outro bate biela (não sei o que é biela, mas
ouvi falar). Porém, nem posso nem desejo estar sempre com o último modelo, ou o
mais luxuoso.
Diante da miséria de meu país,
acho que isso me envergonharia, como caríssimas jóias e bolsas ou roupas de
grife. Vivo uma busca de simplicidade, que ajuda bastante a viver curtindo mais
e melhor as coisas boas que existem no meio do horror. Podem ser simplíssimas,
como um livro interessante, um Mozart profundo, as crianças que correm no
jardim de uma casinha que temos na montanha. Um casal de guaxinins fez seu
ninho embaixo da varanda, nosso novo encantamento.
Se a gente não consegue coisas
desse tipo, a vida fica pesada demais. Corrida demais.
Relógios demais, compromissos
demais, bebida, comida, contas demais, e de repente a velha prostituta que
chamamos Morte revira seus olhos sinistros de gato, limpa os bigodes e prepara
o bote. E nós, onde estamos?
Em casa, na cama, na loja, no
bar, na praia, na multidão enlouquecida, na solidão do hospital - ou rodeados
de alguns afetos essenciais?
Ou sozinhos, mas apaziguados?
Ou em alguma ilha, que pode ser
de artistas ou pensadores dignamente valorizados, ou no minúsculo escritório,
ou quarto, em casa, sentindo o contentamento de alguns momentos bons, ou
simplesmente refletindo, contemplando?
Vamos ter “aproveitado” a vida,
coisa que se aconselha aos jovens desde o tempo de minhas avós - aos rapazes
naturalmente, naqueles tempos de moças recatadíssimas -, vamos continuar
infantilizados, ou vamos melhorar um pouco como seres humanos?
Ou isso tudo não nos interessa
nadinha (o que é mais provável)?
O que vai ser o que vamos sentir
alegria ou tormento, ansiedade inútil ou trabalho de crescimento pessoal, e
como vamos enfrentar as unhas afiadas daquela velha dama de gélidos olhos?
Quase sempre depende de nós, que giramos feito baratas tontas em busca da
última novidade, do mais moderno acessório, da mais louca diversão. E essa é a
maior ironia.
Fonte:
Revista Veja Edição 2204
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