segunda-feira, 25 de julho de 2011

Discriminar nunca, tolerar se possível!



 *João Malheiro
Não discriminar não significa ter de tolerar as mesmas ideias, gostos, sentimentos, opções sexuais, ideais políticos ou religiosos. Posso e devo discordar se penso diferente. Isso é democracia, isso é pluralismo
 

Como educador e professor de ética, tenho me preocupado cada vez mais com o ensino/aprendizagem de certos conceitos que, quando não assimilados de forma correta, podem confundir os mais superficiais. São as noções de tolerância, discriminação, verdade e opinião.

Na universidade me deparo com frequência, pela temática que ensino, com o enfrentamento em sala de aula. Uma vez ou outra explodem paixões juvenis, outras vezes escuto de forma indignada frases como: “O Sr. está sendo muito intolerante com as suas opiniões”, “O professor está discriminando uma parcela da faculdade com as suas verdades”, “Mestre, a verdade é relativa!”, ou reações parecidas. 

Confesso que necessito grande dose de autodomínio e de inteligência emocional para compreender meus pupilos e, em paralelo, manter um diálogo respeitoso, vivenciando esses próprios conceitos. Acredito, portanto, que possa ser útil promover a reflexão sobre os temas acima elencados, para não sermos conduzidos a engodos midiáticos ou para nos prepararmos para futuros debates em diversos âmbitos educativos.
                 
O sentido de tolerância que adoto é do filósofo Tomás de Aquino, que criou o conceito no século XIII: “Tolerar é permitir a existência de certos males menores para não provocar outros males maiores e para não impedir certos bens maiores”. Tolerar é permitir de forma bastante justificada certos males menores, não autorizá-los. 

Existe uma diferença notável entre permitir e autorizar. Este último é dar autoridade a alguém para que faça algo. No nosso caso, seria autorizar o mal e converter, por um poder arbitrário e pela “magia” da tolerância, o mal em bem. O autorizador, assim, tornar-se-ia corresponsável pelo mal. O que não seria ético.

É preciso ser consciente de que, quando se é tolerante, o mal continua sendo mal na perspectiva de quem permite. E que, mesmo sendo tolerante alguma vez, nem sempre será possível tolerá-lo. Nesses casos é preciso ser intransigente com o erro e o mal, o que não é intolerância. 

Ora, numa sociedade em que a confiança na razão como meio para descobrir a verdade foi aos poucos dando lugar ao ceticismo, é fácil compreender porque as pessoas se confundem entre o bem e o mal. E por que essa desconfiança na razão? Parece que os inúmeros conflitos sociais com os quais a história do século XX e XXI nos tem brindado, quase sempre por motivos absurdos e irracionais, como razões nacionalistas, de religião, de domínio tecnológico ou econômico, sejam a sua causa principal.
               
No momento em que a força da razão é enfraquecida, e que o julgamento ético vira uma questão de sentimentos e preferências pessoais – fenômeno chamado pelo filósofo MacIntyre de emotivismo, em After Virtue – são compreensíveis as reações explosivas de algumas pessoas quando alguém lhes tenta mostrar, de forma racional, as diferenças entre o bem e o mal, como aconteceu entre meus alunos e eu. 

Eles se sentem como sendo invadidos por uma autoridade despótica, que se intromete em sua liberdade pessoal, ou pelo menos a cerceia. A sensação de desrespeito é real, pois falta a participação da razão e da vontade para moderar e direcionar esses “sequestros” emocionais para a reflexão. Os conceitos de intransigência e discriminação acabam se confundindo, o que é um grande erro.
                 
Ser intransigente é defender a verdade que nos transcende. Significa, pelo menos, manifestar o direito de discordar de alguém que apresente outra coisa como verdade, e, num diálogo respeitoso, expor uma argumentação diferente, com fundamentos sólidos e convincentes, de forma que ambos tentem honestamente vislumbrar um bem que os una. Portanto, uma atitude bastante distante da violência e da arrogância. 

Já ser discriminador é algo bastante diferente. Significa dar um tratamento desigual, seja favorável ou desfavorável, às pessoas em função das suas características raciais, sociais, religiosas ou de gênero. 

É um desrespeito à pessoa humana, quase sempre numa atitude física ou psicologicamente violenta. Naturalmente, é algo deplorável, que sempre será preciso combater. Entretanto, não existe discriminação de ideias e nem de atitudes, somente de pessoas. 

Caso contrário, nenhum educador (pai ou professor) jamais poderia atuar em relação a seus educandos, corrigindo-os, moderando-os ou até castigando-os. Infelizmente, é exatamente esta mentalidade (corrigir como discriminar) que aos poucos vai entrando em nossas escolas, com consequências incalculáveis.
                
Como aponta a doutora em filosofia Ana Marta González, “o respeito se dirige ao homem que eventualmente defende ideias opostas às nossas; a tolerância, às suas ideias” (“Las paradojas de la tolerância”). Portanto, não discriminar não significa ter que tolerar as mesmas ideias, gostos, sentimentos, opções sexuais, ideais políticos ou religiosos. Posso e devo discordar se penso diferente. Isto é democracia, isto é pluralismo. O contrário é ditadura, despotismo ou autocracia.
                
E como conviverão em paz pessoas que pensam diferente? Como viver a tolerância, em casos como a eutanásia infantil, o nudismo, o livre exercício de religiões minoritárias? A resposta é complexa, mas a filósofa espanhola nos orienta: eticamente, com respeito. Politicamente, com três critérios: buscar a solução em que a maioria possa se abster; em que o prejuízo que se vá produzir nos outros seja o menor possível; em que a subsistência da sociedade esteja sempre garantida.

*João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ.

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