Reunimos ideias que estimulam
boas atitudes e ajudam a desenvolver desde cedo na criança uma consciência de
seu papel no mundo
Por definição, cidadão é um
indivíduo com direitos civis e políticos garantidos por um Estado - ou seja, em
tese, seu filho já nasceu cidadão. Mas a teoria não basta. É preciso aprender,
praticar e cultivar a cidadania. Boa parte dos valores éticos essenciais para
que ele, no futuro e agora, viva bem em sociedade vem da escola.
"É lá que
a criança tem as primeiras experiências mais sólidas em termos de vida pública
e aprende a conviver, como alguém que pertence a um lugar e a um grupo",
diz Maria Teresa Eglér Mantoan, professora da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Laboratório de
Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped), da mesma instituição. Mas as
noções de respeito por si mesmo e pelo outro, a solidariedade e a tolerância
para conviver bem com a diversidade também nascem em casa.
Tudo começa pela
postura que os pais assumem tanto nos domínios domésticos quanto na comunidade
da qual fazem parte.
Atitudes cotidianas até simples, como caminhar pelo bairro
para conhecê-lo melhor ou puxar uma conversa crítica sobre um filme que a
família acaba de ver, ajudam a formar filhos cidadãos. Consultamos
especialistas e reunimos as principais.
1. Seja um bom modelo
Um ótimo ponto de partida é
mostrar - não com palavras, mas com ações - que a família tem consciência de
seus direitos e deveres e age de modo participativo na sociedade. Isso inclui
ir a reuniões e eventos promovidos pela escola em que os filhos estudam não
faltar a assembleias de condomínio, comparecer às urnas para eleger governantes
consciente de seu voto, opinar em referendos e inteirar-se de questões
importantes para seu bairro, sua cidade, seu estado, seu país. Mas as atitudes
do dia a dia contam, e muito.
Então, atenção: do banco de trás do carro, seu
filho percebe se você dá ou não passagem para pedestres, se sempre segue as
regras de trânsito - ou as burla quando está com pressa, por exemplo - e se
costuma parar em fila dupla ao deixá-lo na escola. E nota a gentileza e o bom
senso (ou a falta desses atributos) no trato com parentes, amigos, colegas de
trabalho e empregados. "Crianças e adolescentes são muito observadores.
Veem tudo", afirma a psicóloga Marina Vasconcellos, terapeuta familiar e
de casais, em São Paulo.
Ela ressalta que, por isso, vale comentar quando
pessoas fazem algo errado. "Você pode dizer: `Olha só, um motorista parado
bem em cima da faixa. Isso não é legal¿ ", sugere. O papo deve acontecer
de modo natural e fluido, não parecer ensaiado ou ter ar de lição de moral. Uma
das bases para formar um cidadão crítico é você mostrar quem é de verdade, suas
crenças e seus princípios.
2. Ative o sentimento de
pertencer
Cidadania tem tudo a ver com sentir-se
parte integrante de um grupo e corresponsabilizar-se por ele. Primeiro, a
própria família. "Os pais precisam falar sobre ela e mostrar quem é esse
conjunto de pessoas mais próximas, sua história e seus hábitos. Assim, a
criança começa a entender como seus parentes convivem e quais são os limites
que ela mesma ocupa dentro dessa célula", diz Maria Teresa, do Leped, da
Unicamp.
Quando bem trabalhado na esfera micro, o sentimento de pertencimento
facilita a convivência na esfera macro - não importa aqui se estamos falando de
outras crianças no parque, da turma do clube ou de colegas da escola. Segundo
experts, esse sentimento de pertencer a algo, que gera comprometimento, é
essencial para seu filho entender que "estar com o outro" é diferente
de apenas "estar junto do outro" - pressupõe compartilhar e
respeitar.
De acordo com Maria Teresa, "o papel da família é central para
as crianças perceberem que, fora de casa, elas também têm compromissos com o
mundo que as cerca". Mais adiante, essas noções contribuirão para dar
sentido à ideia de nação, na qual podemos reclamar se nossos direitos não são
assegurados, mas também precisamos assumir deveres para o bem comum.
3. Invista na parceria com a
escola
Uma vez que tanto a vivência em
família como as experiências no ambiente escolar são fundamentais para a
construção e o fortalecimento das noções de cidadania, nada mais sensato do que
buscar uma sólida parceria. "Todas as instituições sociais participam do
processo educativo. Mas a escola é aquela destinada a educar de modo organizado
e sistemático. É ali que são partilhados, de forma intencional e específica, os
conhecimentos, as crenças e os valores de uma sociedade", afirma Terezinha
Rios, doutora em educação e colunista da revista Nova Escola Gestão Escolar, da
Fundação Victor Civita.
Conhecer os caminhos trilhados pela escola em que seu
filho estuda requer mais do que só acompanhar comunicados e comparecer a
reuniões. Peça para conhecer o projeto político-pedagógico, documento no qual
são descritos objetivos e metas da instituição, bem como os meios utilizados
para alcançá-los. A maioria desses projetos faz referência à formação cidadã.
Depois, é preciso acompanhar o mais de perto possível o trabalho cotidiano dos
educadores para ver como as propostas são colocadas em prática. "A tarefa
da escola terá mais êxito se articulada à atuação de outras instituições,
principalmente a família. É preciso estabelecer o diálogo."
4. Abra espaço para posturas
críticas
Passear a pé pelo bairro, ver o
que ele tem de bom e de ruim, observar a diversidade de pessoas e de lugares
que abriga, pensar em formas de torná-lo mais bonito e agradável. Essa é uma
atividade simples, mas carregada de estímulos ao comportamento cidadão. Também
dá para fazer exercícios parecidos em outra cidade ou país. "Conhecer
povos, culturas, hábitos e culinárias diferentes é favorecer o entendimento da
diversidade", diz a psicóloga e psicanalista Blenda de Oliveira, de São
Paulo. E isso é básico para desenvolver tolerância. Sem contar que a criança e
o adolescente precisam de espaços para expressar suas opiniões.
Há formas
simples e que funcionam de fazer isso. "Que tal assistir a um
documentário, um filme de ficção ou uma peça de teatro e depois fazerem juntos
um debate crítico sobre eles? Esse tipo de discussão ajuda a estimular a
reflexão, importante na construção da cidadania", afirma Luciana Maria
Allan, diretora técnica do Instituto Crescer para a Cidadania, em São Paulo.
O
trabalho voluntário é outro eixo a explorar. Visitar uma casa de repouso ou
contar história em uma creche são experiências que sensibilizam e mudam o olhar
de nossos filhos. Só não adianta cobrar interesse por voluntariado se essa não
é uma prática valorizada pela família e incorporada a seu dia a dia.
"Falamos que os jovens de hoje são apáticos e não têm visão crítica do
mundo.
Mas em que momento nós, como pais, oferecemos estratégias para que sejam
cidadãos participativos? Quando convidados, eles querem participar e gostam. Ficam
chocados e preocupados com a realidade ao redor e têm energia para mudar as
coisas para melhor", diz Luciana.
5. Incentive a colaboração
A amizade e a convivência entre
vizinhos parece diminuir conforme aumenta o tamanho das cidades e dos
condomínios. O resultado é que hoje impera o individualismo em nossa sociedade.
"Estamos mais isolados e infelizes", resume Maria Teresa, da Unicamp.
"Há quem tema ser solidário por medo de se dar mal e quem ache que nunca
vai precisar de quem mora ao lado, torcendo para que a recíproca seja
verdadeira." Em vez de perpetuar o isolamento, os pais precisam favorecer
o encontro.
Vale incentivar seu filho a se apresentar a novos moradores do
prédio, chamando-os para brincar. Ou convidar um colega recém-chegado à escola
para uma tarde de diversão. Sim, eventualmente eles entrarão em conflito. E,
sim, eles talvez sejam diferentes em trajetória, características, pensamentos e
posses. Mas nada disso deve servir como medida de comparação ou competição, e é
isso que você vai ensinar a seu pequeno.
Tome sempre cuidado não só com o que
fala, mas com o que pensa. Sonhar que seu filho será um grande vencedor na vida
é válido, mas nunca a qualquer custo. Pouco vale chegar lá se não houver
justiça social para que o outro também tenha a chance de chegar - e é por isso
que a violência urbana é um problema de todos nós.
6. Diga não a qualquer
desperdício
Certamente, as festas de fim de
ano fizeram roupas, brinquedos e aparelhos eletrônicos novos desembarcarem na
sua casa. É uma oportunidade para promover uma limpeza geral nos armários e
ensinar que certos acúmulos são desnecessários.
Além de gratificante, o ato de
doar é pedagógico. "Ensina sobre desapego e mostra que nada é
insubstituível", diz Marina. Falar sobre o uso consciente de água e
energia elétrica e mostrar a importância de separar o lixo também são lições
essenciais. "É preciso educar os filhos para que aprendam a não
desperdiçar comida, tempo, amigos, afetos, talentos e oportunidades.
Sustentabilidade engloba tudo isso", afirma Blenda.
O desafio é transmitir
um pacote completo de limites, valores, responsabilidades e posturas cidadãs em
diferentes áreas - um pacote para ser carregado pela vida inteira.
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