terça-feira, 19 de maio de 2009

Quando a teoria encontra a prática
A importância dos projetos interdisciplinares
Na semana passada concluímos no curso de gastronomia do Centro Universitário SENAC, em Campos do Jordão, um de nossos mais importantes e pertinentes trabalhos, o projeto interdisciplinar da turma de 1º semestre. Independentemente das notas, o mais relevante num projeto como esses é concluir o encontro entre a teoria e a prática.

Isso não é prioritário na maior parte dos cursos ministrados nas universidades brasileiras. Evidentemente também não é trabalhado no Ensino Médio ou nas séries finais do Ensino Fundamental. Há pouca pesquisa de campo bem organizada sendo levada a termo de forma regular em qualquer um dos níveis de ensino em nosso país.

A dissociação entre teoria e prática leva a desvalorização de ambas, em particular do conhecimento teórico. O estudo dos conceitos e das idéias produzidas a partir de árduo e envolvente trabalha de pesquisadores e cientistas das mais diversas áreas e estirpes ao ser traduzido em livros, enciclopédias, compêndios ou materiais didáticos é valioso e serve como fio condutor para que o conhecimento se estabeleça entre as novas gerações de estudantes em qualquer nível de ensino.

Apesar dessa constatação, vale lembrar que a desgastada fórmula de aulas expositivas acaba transformando realizações fantásticas e elaborações imprescindíveis para a compreensão do mundo em material tedioso, sem qualquer graça ou encanto para os estudantes. É claro que a dinâmica empregada pelos educadores pode modificar essa situação e promover o estudo de forma a torná-lo significativo e relevante para qualquer grupo de estudantes. É isso que se espera do trabalho dos professores...

Entretanto, a ponte a se estabelecer entre a teoria e a prática, mesmo no caso de professores que conseguem magnetizar a atenção de seus alunos em suas aulas, é necessária, senão imprescindível...O estudo em sala de aula a partir dos livros, das explanações e de atividades em grupo adicionado a um exame da realidade em que se percebam as aplicações da teoria na prática constituem ações que combinadas resultam num aprendizado significativo e pleno.

Não dá para continuar promovendo a educação desconectada da realidade, do cotidiano, do mundo em que ela se encontra inserida. Ao motivarmos nossos alunos para que eles averigúem os conceitos e teorias ensinados em aula a partir de visitas, entrevistas, depoimentos, obtenção de material fotográfico ou fílmico, elaboração de relatórios ou ainda com base em sua capacidade sensorial, criamos vínculos entre os livros e o mundo que eles retratam, permitimos que se desenvolvesse uma necessária criticidade por parte dos estudantes, estimulamos a capacidade analítica e comunicativa, promovemos uma educação muito mais sintonizada e plena, aguçamos a criatividade...

A imagem que inicia esse artigo coloca aos nossos olhos a figura de uma pesquisadora que se encontra inserida num contexto diferenciado em relação a sua base de trabalho acadêmico, em contato com uma cultura diversa, envolvida com pessoas que vivem dentro de uma realidade completamente díspar daquela conhecida por ela, iniciando ou aprofundando investigação acerca dessa temática. Essa imagem deve nos remeter aos caminhos que temos que propor aos nossos estudantes no que tange ao encontro entre prática e teoria.

Mais do que isso, deve nos incentivar a promover esses caminhos e instrumentos não só entre nossos alunos, mas também dentro da própria comunidade de educadores na qual vivemos. O professor não é e não deve ser um simples receptáculo de informações provenientes de outras fontes e pesquisadores. Ele também deve se sentir compelido a produzir conhecimento, a elaborar textos a partir de realidades por ele observadas; a comparar bibliografias com experimentos e vivências pessoais.

É claro que uma afirmação como essa suscita uma série de observações quanto à remuneração, tempo disponível, apoio das instituições, locais para a publicação, conhecimento sobre a atividade de pesquisa ou ainda o reconhecimento dessa prática. Os professores precisam de incentivos para regularizar ações como essas, mas muitas vezes a própria escola em que trabalham podem ser campo fecundo para tais observações, ponderações, exames e constatações.


Entrevistar e tirar fotos são dois importantes momentos da pesquisa de campo. Através dessas e de outras ações podemos conseguir depoimentos, relatos, descrições e ainda compor nossos projetos com ilustrações que facilitem a compreensão de quem vier a ler e utilizar os resultados de nossas pesquisas.

Sempre acreditei, pessoalmente, que as salas de aula em que estava trabalhando constituíam um excelente laboratório para a pesquisa em educação. Muito daquilo que produzo atualmente é resultado de uma série de experiências e práticas que implementei com grupos de alunos sequiosos por inovações e por uma renovação na linguagem, na metodologia, na didática e nos relacionamentos em sala de aula.

Talvez falte a muitos professores o ímpeto, a disposição e o ensejo para mudar, mesmo que isso não signifique recompensa ou reconhecimento por parte das instituições, para esses reafirmo a idéia de que o maior retorno é aquele que conseguimos obter junto aos próprios alunos e no nosso próprio íntimo, enquanto educadores em busca de uma educação muito mais qualificada e transformadora.

Porém, voltando à experiência dos projetos interdisciplinares em Campos do Jordão, o que fizemos foi justamente promover um fortuito e valioso encontro entre teoria e prática. Durante os primeiros meses de trabalho no curso, os professores apresentaram elementos basilares quanto à segurança, higiene, história, sociologia, administração de empreendimentos, legislação, formatação arquitetônica ideal, postura e apresentação dos funcionários no que tange a empreendimentos gastronômicos.

A parte teórica do trabalho foi realizada com base em bibliografia ampla, atualizada e variada, aulas expositivas, utilização de recursos diversificados, tecnologia de ponta (internet, vídeos, data show,...), estratégias de trabalho em grupos, composição de textos e vários outros encaminhamentos escolhidos por cada um dos professores das disciplinas de Segurança e Legislação, Tipologia de Empreendimentos, Sala e Bar, Microbiologia e Higiene, História da Gastronomia e Sociologia.

A pesquisa realizada pelos estudantes de gastronomia define que eles devem observar todos os componentes de trabalho de um empreendimento gastronômico.
Do trabalho dos garçons e chefs ao cardápio e suas especialidades, da higiene e segurança do estabelecimento ao perfil da clientela...

Logo no início das aulas o Projeto Interdisciplinar foi apresentado aos estudantes. Foram estipulados os prazos de pesquisa (dois meses), referendados os aspectos de metodologia (que foram apresentados em algumas aulas adicionais durante os dois meses que se seguiram), delimitados os temas e a área de pesquisa que caberiam a cada grupo, definidos os grupos com 4 componentes e indicados os horários de encontro com a coordenação do projeto para o esclarecimento de dúvidas.

A seguir iniciaram-se as atividades e orientações. Nesses dois meses tivemos alguns problemas, típicos de nossa cultura, especialmente no que se relaciona ao aproveitamento do tempo destinado ao projeto. Infelizmente os estudantes ainda não se programaram para utilizar todo o tempo disponível e ainda acabam deixando boa parte do trabalho (senão sua integralidade) para ser feita nas últimas semanas disponíveis. Essa é, sem dúvida, a maior de todas as dificuldades com as quais convivemos.

A cobrança mais rígida do desenvolvimento do projeto através da obrigatoriedade das reuniões de orientação a cada semana ou quinzena pode ser a solução pra esse dilema...
Apesar disso, os estudantes foram, literalmente, para a rua. Visitaram os estabelecimentos que seriam pesquisados (a proposta previa que eles acompanhassem os trabalhos realizados num determinado estabelecimento gastronômico e percebessem a utilização ou não, na prática e no cotidiano de empreendimentos estabelecidos, dos critérios e bases a eles apresentados ao longo das aulas teóricas) e iniciaram uma rica coleta de dados, impressões, registros e depoimentos.

De posse dessas informações eles teriam que compor textos comparativos, elaborar gráficos e tabelas, tabular respostas de questionários, obter projetos arquitetônicos dos estabelecimentos, traçar o perfil da clientela, buscar as raízes gastronômicas e étnicas do empreendimento, listar as receitas principais ou ainda averiguar condições de segurança e higiene.
A etapa final do projeto prevê a apresentação da pesquisa para os outros estudantes e o questionamento por parte de bancas de professores e de alunos. Para tanto é necessário conhecer o conteúdo em sua plenitude, produzir uma apresentação com os dados mais representativos, ter postura adequada e estar preparado para observações e perguntas.

Tudo isso teria ainda que for apresentado diante de uma banca de professores e estudantes. Isso quer dizer que eles ainda deveriam se preocupar em organizar apresentações em que expusessem num espaço de tempo pré-determinado as informações obtidas. Para isso deveriam produzir tabelas, apresentações em PowerPoint, organizar suas falas e observações e se preparar para responder perguntas feitas pelos membros das duas bancas...

Em suas apresentações os estudantes também teriam que se preocupar com a postura, o vestuário adequado, a entonação e com a capacidade de demonstrar conhecimentos acerca de todos os itens pesquisados.

O resultado foi muito bom. Há ajustes a serem feitos, sem dúvida alguma, entretanto, o melhor resultado é a percepção que depois da realização dos, a conexão essencial entre teoria e prática ficou muito mais clara para todos os envolvidos nas pesquisas. Foi praticamente unânime essa constatação entre os vários grupos. Os depoimentos dados pelos estudantes apenas confirmaram a idéia de que esse encontro é mais que fortuito, trata-se de uma reunião fundamental...

João Luís de Almeida Machado Editor do Portal Planeta Educação; Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

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