quarta-feira, 17 de abril de 2013

Cuidemos De Nossas Crianças


Em um dia de aula, sociologia para ser mais especifico, minha professora nos leu um texto incrível intitulado “A Barbie é uma Bruxa" por Rubem Alves, que nos propõe a fazer uma analise critica da sociedade em que vivemos. Este texto muito me chamou a atenção, pois nos leva a pensar mais profundamente sobre os objetos (brinquedos?) que escolhemos (nós?) para dar nas mãos de uma criança por pura diversão (brincar?).

Neste texto, Rubem Alves mostra como um brinquedo pode produzir comportamentos e definir a subjetividade de uma criança.

"O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade."
(Karl Mannheim)
    

Veja o texto a seguir.


A Barbie é uma Bruxa
Por Rubem Alves

“Fiquei comovido quando li que foram encontradas bonecas em túmulos de crianças no Egito, na Grécia e em Roma. Pude imaginar o que os pais deveriam estar sentindo ao colocar aquele brinquedo junto ao corpo da filha morta. Eles o faziam para que ela não partisse sozinha, para que ela não tivesse medo... De fato, uma criança abraçada a uma boneca é uma criança sem medo, uma criança feliz.

Os meninos, proibidos de ter bonecas, se abraçam aos seus ursinhos de pelúcia. E nós, adultos, proibidos de ter bonecas e de ter ursinhos de pelúcia, nos abraçamos ao travesseiro... Os objetos são diferentes, mas o seu sentido é o mesmo: o desejo de aconchego e de ternura.

Por isso eu acho que o senhor e a senhora fizeram muito bem ao dar uma boneca de presente para a sua filhinha. Com uma exceção, é claro: se a boneca não foi a Barbie. Porque a Barbie não é uma boneca. Falta a ela o poder que têm as outras bonecas, bebezinhos, de afugentar o medo e provocar sentimentos maternais de ternura. Não posso imaginar uma menina dormindo abraçada à sua Barbie. Nenhum pai colocaria a Barbie no túmulo da filha morta. A Barbie não é boneca. É uma bruxa.

Posso bem imaginar o espanto nos seus olhos. Eu imagino também os seus pensamentos: O Rubem perdeu o juízo. A Barbie é uma boneca de plástico, não mexe, não pensa, não fala. E agora ele diz que ela é uma bruxa... Que as bonecas, ao contrário das aparências, têm uma vida própria, eu aprendi no 2° ano primário.

Minha professora me deu um livro sobre bonecas e bonecos: enquanto a gente estava acordado, elas ficavam deitadinhas, olhinhos fechados, fingindo que dormiam. Mas bastava que os vivos dormissem para que elas acordassem e se pusessem a falar coisas. As bonecas foram os primeiros brinquedos inventados pelos homens. E foram também os primeiros instrumentos de magia negra. Um alfinete, aplicado no lugar certo de uma boneca – assim afirmam os entendidos – tem o poder de matar a pessoa que se parece com ela. Pois eu digo que a Barbie é uma bruxa. Bruxa enfeitiça. Enfeitiçada, a pessoa deixa de ter pensamentos próprios.

Só pensa o que a bruxa manda. A pessoa enfeitiçada fica possuída pelos pensamentos da feiticeira e só pensa e faz aquilo que ela manda. Se falo é porque vi, com esses olhos que a terra há de comer. Basta que as crianças comecem a brincar com a Barbie, para que fiquem diferentes.

O pai manda, a mãe manda, a criança faz birra e não obedece. Não é assim com a Barbie. Basta que a Barbie mande para que elas obedeçam. De novo você vai me contestar, dizendo que a Barbie não fala e não tem vontade. Por isso, não pode nem dar ordens e nem ser obedecida. Errado. O fantástico é que ela, sem falar e sem ter vontade, tenha mais poder sobre a alma da criança que os pais. Quem me revelou isso foi o futurólogo Alvin Toffler, no seu livro O Choque do Futuro, que li em 1971.

O capítulo “A Sociedade do Joga-Fora” começa com a Barbie. Nascida em 1959, em 1970 mais de 12 milhões já tinham sido vendidas. Um negócio da China. E por quê? Porque a Barbie, diferente das bonecas antigas, bebês que se contentam com uma chupeta e um chocalho, tem uma voracidade insaciável.

A Barbie é uma boneca que nunca está contente: ela sempre pede mais. E essa é a grande lição que ela ensina às crianças: Compra, por favor! Para se comprar há as roupas da Barbie, a banheira da Barbie, o secador de cabelo, o jogo de beleza, o guarda-roupa, a cama, a cozinha, o jogo de sala de estar, o carro, o jipe, a piscina, o chalé de praia, o cavalo e os maridos, que podem ser escolhidos e alternados entre o loiro e o moreno etc. etc. A Barbie está sempre incompleta. Portanto, com ela vem sempre uma pitada de infelicidade.
Aliás, essa é a regra fundamental da sociedade consumista: é preciso que as pessoas se sintam infelizes com o que têm, para que trabalhem e comprem o que não têm.

A Barbie tem esse poder: quem a tem está sempre infeliz porque há sempre algo que não se tem, ainda. E os engenheiros da inveja, a serviço das fábricas, se encarregam de estar sempre produzindo esse novo objeto que ainda não foi comprado. Mas é inútil comprar. Porque logo outro será produzido. É a cenoura na frente do burro... Ela nunca será comida.

Quem dá uma Barbie para uma criança põe a criança numa arapuca sem saída. Porque, ao ter uma Barbie, ela ingressa no Clube das Meninas que têm Barbie. E as conversas, nesse clube, são assim: Eu tenho o chalé de praia da Barbie. Você não tem. Ao que a outra retruca: – Não tenho o chalé, mas tenho o marido loiro da Barbie, que você não tem. Essa é a primeira lição que a inofensiva boneca de plástico ensina. Ensina a horrível fala do eu tenho, você não tem. A maldição das comparações. A maldição da inveja.

Você deve conhecer alguns adultos que fazem esse jogo. Haverá coisa mais chata, mais burra, mais mesquinha? Ao dar uma Barbie de presente é preciso que você saiba que a menina inevitavelmente aprenderá essa fala. Isso feito, uma segunda fala entra inevitavelmente em cena, impulsionada pelas ilusões da inveja. A menininha pensa: Estou infeliz porque não tenho. Se eu tiver, serei feliz.

O jeito de se ter é comprar.

–        Papai...
–        Que é minha filha?
–        Compra o chalé de praia da Barbie? Eu quero tanto...

Filha na arapuca. Pai na arapuca. Mas há uma saída. E, para ela, procuro sócios. Vamos começar a produzir o próximo e definitivo complemento para a bruxa de plástico: urnas funerárias para a Barbie. Por vezes o feitiço só se quebra com o assassinato da feiticeira – por bonitinha que ela seja...”

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