quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Limites: lidando com a insegurança dos pais


Os seres humanos são produto de uma série de fatores que conjuntamente moldam a personalidade: herança genética, fatores psicológicos, grau de desenvolvimento cognitivo, interações familiares e o contexto sócio-cultural. Desta forma, a personalidade é um conjunto de características psicológicas estáveis ao longo do tempo e vai depender de como interagem as características inatas de uma criança com os estímulos que recebe do meio.

O modelo cognitivo-comportamental pressupõe que, para cada situação, teremos interpretações automáticas do que está ocorrendo, que vão provocar sentimentos e comportamentos. 

Esta nossa forma de interpretar os fatos vai depender em grande parte das coisas em que acreditamos, nosso sistema de crenças sobre nós mesmos, o mundo e as pessoas. Tais crenças são formadas a partir do que aprendemos ao longo de nossa vida.

Os indivíduos com um sistema de crenças mais saudável normalmente acreditam que: (a) o mundo é um ambiente seguro; (b) são capazes de lidar com as demandas do ambiente; (c) são pessoas ok; (d) são dignos de serem amados e (e) as pessoas são confiáveis. 

Para que isso ocorra, segundo Young (2003), é necessário que algumas necessidades básicas das crianças tenham sido supridas de forma adequada por seus cuidadores.

NECESSIDADES BÁSICAS DAS CRIANÇAS

1. SE SENTIR CONECTADO, ACEITO E AMADO

1. TER AUTONOMIA E CAPACIDADE DE DESEMPENHO

1. CONHECER OS LIMITES E O MODO DE FUNCIONAMENTO DO MUNDO

1. TER ATENÇÃO ÀS SUAS NECESSIDADES E EMOÇÕES

1. TER ESPONTANIEDADE E PRAZER

Assim, é importante que os pais equilibrem doses de afeto e limites para que as crianças cresçam e se tornem adultos saudáveis. 

Uma criança que recebe pouco amor e muito limite tende a se sentir pouco aceita e outra que recebe muito amor e poucos limites terá problemas para entender o funcionamento do mundo e se adequar a ele para o resto da vida.

Nesse sentido, o principal objetivo deste texto é abordar a insegurança dos pais sobre a importância de dar limites, mostrando o quanto esta é uma necessidade fundamental das crianças que precisa ser suprida pelos pais. 

Ao apresentar limites, os pais estão ensinando seu filho como o mundo funciona. E quanto mais o funcionamento de algo nos é familiar, mais confortável vamos nos sentir.

Entretanto, estabelecer limites não é fácil e algumas questões precisam ser observadas. A primeira delas se refere à diferença entre a melhor FORMA de colocar limites, em oposição ao CONTEÚDO das regras apresentados. 

É importante que os pais percebam que cada família tem o direito e o dever de decidir que valores transmitir a seus filhos e que, independentemente de quais serão estes valores, a forma de apresentá-los é o mais importante.

Não podemos esquecer que as crianças têm um cérebro ainda em processo de amadurecimento. Portanto, não podemos perder de vista que as informações que estamos tentando passar estarão sendo processadas por um cérebro muito diferente do nosso.

O aparato cognitivo das crianças precisa, inicialmente lidar com situações que permanecem constantes, antes de conseguir flexibilizar as regras. Dessa forma, é imprescindível que o mundo das crianças seja razoavelmente constante e consistente para que elas aprendam seu funcionamento. Mãe, pai, avós, escola e cuidadores devem ter um discurso alinhado tanto em termos de forma quanto de conteúdo. 

Se a mãe acha certo, o pai e a escola também acham certo. Se não pode na escola, também não pode em casa nem na casa dos avós. Quando uma criança começa a prever que as regras que valem em casa também valerão em outros contextos, se sente mais segura e livre para experimentar as novas situações e aprender com elas. 

Na medida em que forem crescendo e chegando à adolescência, seu cérebro já estará apto a perceber que algumas regras podem variar de acordo com o contexto (“meus pais acham uma coisa, meu grupo de amigos acha outra”) e a lidar com isso.

Ainda considerando as etapas do desenvolvimento das crianças, é importante adequar a linguagem à faixa etária. Como até o final da infância ainda é difícil lidar com muitas informações ao mesmo tempo, precisamos dar ordens curtas e diretas (“Largue a faca”, ao invés de “Não pegue a faca”), seguidas de uma breve explicação (“Porque machuca”). 

Ao apresentarmos sempre o motivo pelo qual se pode ou não fazer alguma coisa, estamos ensinando nossos filhos a pensar logicamente, em termos de causas e conseqüências. 

Esta habilidade será muito importante para que, no futuro ele esteja apto e seguro para pensar e tomar suas próprias decisões. Um adulto que não sabe por que faz ou não faz determinadas coisas não terá capacidade ter autonomia para lidar com situações novas, cujas regras desconhece, e se sentirá inseguro ao tomar decisões.

Outra questão é que, se a atenção do meu filho ainda está em formação, é essencial que eu me certifique de que ele está prestando atenção enquanto eu falo e de que, em muitos momentos, será difícil para ele manter a concentração por muito tempo. 

Dessa maneira, antes de falar com seu filho e durante a conversa, certifique-se que ele está atento, abaixe-se até ficar da altura da criança, olhe para ele e fale de forma a captar a sua atenção. Se ele perder a concentração, gentilmente chame sua atenção novamente.

Além disso, crianças ainda não têm a capacidade de auto-regulação e supervisão formadas. Por isso, precisamos supervisionar nossos filhos e ensiná-los a verificar se estão fazendo as coisas direito. É como se estivéssemos emprestando nosso cérebro maduro para que nossos filhos possam começar a desenvolver certas capacidades.

Crianças também não necessariamente usam o planejamento para organizar seu comportamento. Assim, é pouco provável que seu filho tenha boas explicações para perguntas como “Por que você é tão bagunceiro”, “A que horas você vai fazer o dever de casa”, que devem, portanto, ser evitadas e substituídas por ordens claras: “Coloque seus brinquedos dentro da caixa” ou “É hora de fazer o dever de casa”.

Outra questão extremamente importante é colocar limites sem alterar o senso de aceitação e amor, que devem ser incondicionais. Considerando que nossos filhos possuem um cérebro que entende as coisas literalmente, é importante tomar cuidado com as palavras: “Você é mau, burro etc” serão entendidos como: ”Minha mãe sabe tudo e disse que eu sou um burro”. 

Então, a regra é ame seu filho e não o que ele faz: “Mamãe está triste porque você não fez o seu dever de casa” e não “Você me decepcionou” ou “Você me deixa triste”. Nesse sentido, também é importante evitar ameaças, principalmente as que sugerem perda de amor, abandono etc: “Se você não parar, eu vou te deixar aqui”. 

Ao fazer ameaças que não vamos cumprir, ensinamos aos nossos filhos que nem tudo o que dizemos é verdade e isso tem forte impacto na credibilidade dos limites apresentados.

Por último, cabe ressaltar que a insegurança surge a partir do conflito entre a necessidade de colocar limites e as crenças e visão de mundo dos pais sobre este assunto. Portanto, é importante pensar em quais são as minhas idéias sobre isso antes de colocar uma determinada técnica em prática. O que eu imagino que vá acontecer? 

Ainda, educar filhos é algo que deve ser feito muitas horas por dia, durante muitos anos e sempre da mesma forma. Assim, os pais precisam constantemente monitorar seus pensamentos e estados de humor para se manter educando e não reagir em nível pessoal, como se a criança fosse outro adulto. 

Dessa forma, se eu estou sentindo raiva do meu filho, ou magoada com ele, eu estou reagindo a ele e não o educando. Estou servindo para ele como um modelo de como não se deve fazer quando se está com raiva, não é mesmo? Nesse momento, talvez seja melhor pedir substituição e dar um tempo antes de voltar ao processo de educação. Pense nisso imediatamente antes de usar castigos corporais.

Em resumo, a idéia é de que limite é essencial à construção de um indivíduo saudável e que sua apresentação é função dos pais. Contudo, temos que ficar alertas à forma mais eficaz de fazer isso.

Aline Sardinha
Terapia cognitivo-comportamental
Neuropsicologia
Pesquisadora do laboratório de pânico e respiração do IPUB/UFRJ

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